quinta-feira, 3 de novembro de 2005

Outono e Saudades

Pois é, o Outono traz consigo sempre algo de especial.
Não o vejo como um final, em que as árvores morrem e os animais se preparam para o Inverno que se aproxima, como um tempo antes de um tempo adormecido.
Ainda bem que somos humanos e temos roupas e comida e sangue quente e não hibernamos no Inverno.
Vejo o Outono mais como um começo, eu nasci no Outono, p’ra mim será todos os anos um começo de mais um ano. Agora que penso nisso... porque é que comemoramos uma passagem de ano que nem sequer é nossa? É do tempo, dos dias e dos anos e dos séculos e dos milénios. Porque acho que faz mais sentido que o nosso aniversário seja a NOSSA passagem de ano.
Além disso, o começo das aulas no Outono, o começo de um novo ciclo nas nossas vidas. Agora que também penso nisso... não me parece sensato fazer resoluções de fim-de-ano; ora, é muito mais sensato fazê-las no Outono, quando começa um novo ciclo de vida, pelos menos para os estudantes (não por muito tempo, mas ainda me incluo na categoria). Agora que penso de novo nisso... para que serve o dia 31/12 senão para ter uma desculpa para fazer uma festa, apanhar uma valente tosga, cometer algumas loucuras (ou imprudências)? Não que seja preciso uma desculpa p’ra se fazer no dia 31 o que já se faz várias vezes durante o ano...
mas bem, estava a falar do Outono...
Bem, é isso, gosto muito do Outono, é a minha estação do ano preferida, tenho um calendário em cada um dos meus quartos (cá e lá) parados em Outubro para sempre... Já p'ra não falar da amplitude mundial do dia 12/10, que é feriado nacional em vários países.
Teremos sempre o Outono... e a chuva e os dias cinzentos e um friozinho bom (obriga-nos a casacos mas não nos obriga a bater-o-dente) e, às vezes, nevoeiro e coisas quentinhas e cheiro de castanhas e abraços... e lençóis de flanela e camas quentinhas e sacos de água quente...
E, no Outono, sinto-te sempre mais perto de mim.


A terra

A terra verde se entregou
a tudo o que é amarelo, ouro, colheitas,
torrões, folhas e grão,
quando, porém, o outono se levanta
com seu longo estandarte
és tu a quem eu vejo,
é para mim a tua cabeleira
a que reparte as espigas.

Eu vejo os monumentos
de antiga pedra rota,
porém se toco
a cicatriz de pedra
teu corpo me responde,
meus dedos reconhecem
de pronto, estremecidos,
tua quente doçura.

Passo por entre heróis
recém-condecorados
pela pólvora e a terra
e detrás deles, muda,
com teus pequenos passos,
és ou não és?

Ontem, quando arrancaram
com raiz, para vê-lo,
a velha árvore anã,
te vi sair me olhando
de dentro das sedentas,
torturadas raízes.
E quando o sono vem
e me estende e me leva
a meu próprio silêncio,
há um grande vento branco
que derruba meu sono
e dele caem as folhas,
caem como punhais,
punhais que me dessangram.

Cada ferida tema forma de tua boca.

Pablo Neruda in Versos do Capitão
Tradução de Thiago de Mello

Em português do Brasil, mas muito bonito.

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